O QUE EU COMO NÃO PODE SER CHAMADO DE LIXO

     Tenho visto ultimamente em várias redes sociais uma moda (orientada por profissionais, diga-se de passagem) das pessoas elegerem um 'dia do lixo' na semana, onde comem alimentos mais calóricos e 'desnecessários' para o organismo. Estas pessoas passam a semana inteira se alimentando de forma regrada, comendo alimentos funcionais sob medida, e vão todos à farra no dia do lixo. DIA DO LIXO? Sério?! Como posso tratar um alimento como lixo? Como posso tratar um dia que provavelmente é o DIA DA ALEGRIA para todas estas pessoas como lixo?
     Lixo, mesmo quando reciclável, é algo que jogamos fora, que não será mais utilizado por nós, uma sujeira da qual não necessitamos mais e precisamos eliminar. Lixo pra mim no máximo será o que vai embora pela descarga, e mesmo assim ainda pode virar adubo orgânico da melhor qualidade. Nunca será o que vai pra dentro da minha boca. Mesmo que simbolicamente, acho completamente errado tratar qualquer alimento desta forma. Se ele não é funcional em termos nutricionais, é funcional em termos de alegria e bem estar, por que é também o dia onde há provavelmente o contato social com amigos e familiares, onde estreitamos relações, onde mantemos tradições em volta de uma mesa de família, por exemplo. E é para isso que vivemos, acredito eu: para ter saúde, bem estar e sermos felizes. Não é, ora bolas? Então, como tratar uma massa feita por minha avó, recheada com carne e bacon moídos e cozidos por 4 horas na panela de ferro, como lixo? Como tratar o parmesão e o azeite que estão por cima como lixo? Como tratar a carne assada que minha mãe leva seis horas preparando no fogão à lenha com legumes como lixo? E os incontáveis churrascos que fiz e faço com meu pai na casa da serra ao ar livre e me trazem incríveis recordações da infância? E a feijoada, as pizzas que meu irmão faz com as próprias mãos, os bolos da vó Rosa, o guisado de frango, o quibe árabe de forno da vó Adélia? Só porque é calórico? Só porque engorda?
     Sinceramente, não me importo com quem vai questionar qual é a minha formação para dizer isso. Acho que o que falta é sensibilidade nas pessoas, e muita. Falta bom senso, equilíbrio e reflexão. Faltam valores familiares de agregar, ensinar e compartilhar o amor em todas as suas formas. Este comportamento, pra mim, só afasta as pessoas e cria tribos preconceituosas. A tribo dos que são teoricamente saudáveis, e a tribo dos que comem lixo a semana inteira (na cabeça deles). E aí, mais um comportamento de separar em vez de agregar. Há muita inconsequência na atitude de propagar um conceito desses e desconhecimento do poder que as palavras possuem. É um comportamento aparentemente inofensivo desses que faz uma mãe que está de dieta, por exemplo, levar o filho no domingo para almoçar na casa da avó tratando este dia como seu dia do lixo. A criança cresce ouvindo este horror, e o que ficará guardado em sua memória é que o dia de visitar a avó é o dia do lixo. O dia de comer bem, de ser amado, de se reunir com a família, de brincar, de começar a criar as memórias daquilo que amamos e chamamos de 'comfort food', é também o dia do lixo. Que inversão de valores, não é mesmo?
     O que eu como nunca foi nem nunca será lixo, independente do que for. A comida tem um sentido muito maior do que manter o peso na balança. A comida também nutre a alma, as relações, as famílias e o sangue, faz nossa energia vital circular. Tenho uma saúde de ferro, como absolutamente de tudo, do amaranto à biomassa e ao bacon, de brotos vegetais à galinhas ensopadas com batata, de coalhada caseira com chia e linhaça a pães de mel com doce de leite. Eu entendo que esta é apenas uma forma simbólica das pessoas tratarem este dia, mas, pra mim, isto só afasta as pessoas e as fazem tratar a comida de uma forma errada. 
     Por favor, mais respeito com o que comemos, com o que preparamos, com a forma com que tratamos as pessoas, os animais, a natureza e a comida. Por favor, mais amor e menos tribos separadas. O mundo não precisa de mais conceitos que nos afastem uns dos outros. Cada um tem direito de fazer as próprias escolhas, e ninguém deve se sentir mal por que alguém resolveu tratar o que o outro come como lixo. Não, não é lixo, e nunca será. Minha comida é feita com amor, muito amor, e é uma forma de dizer eu te amo a todas as pessoas que a recebem e comem. É uma forma diária de mostrar ao meu marido o quanto o amo, de nutrir nossos dias e nossa alma, de forma saudável e cuidadosa. E comemos de forma muito saudável, comendo de tudo. Não fosse isso nossos exames de sangue diriam o contrário. E sim, estamos saudáveis por dentro, obrigada. Somos felizes e queremos mais e mais pessoas em volta da mesa, comendo comida de verdade, feita em casa, com muitas calorias ou não. Podemos gastar tudo pedalando ou subindo uma bela montanha depois para contemplar a natureza tão maravilhosa e sábia. Comida conta história, conta nossas vidas, nosso amor. Isto pra mim está longe, muito longe de ser lixo. É minha saúde, física e mental, meu bem estar, minha felicidade e a dos que estão à minha volta. Para mim, todos os dias são dias de alegria na cozinha e em torno da mesa. E que assim seja, sempre.


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